Para especialistas, terceirização pode gerar ações na justiça e aumentar empresas
Por Paulo Victor Chagas:
Tornar as empresas terceirizadas mais qualificadas com a nova
legislação, sancionada nessa sexta-feira (31) pelo presidente Michel
Temer, é uma das apostas de especialistas ao analisar o tema. Para os
críticos da lei, no entanto, direitos trabalhistas ficarão prejudicados.
Após a sanção do texto, empresários da área não esperam uma migração
“em massa” das contratações diretas para a prestação de serviços a
terceiros, e sim uma formalização nos setores que já contratam dessa
forma. A falta de detalhamento da legislação, porém, pode dar margem a
ações na Justiça, contrariando a tese de que traria mais segurança
jurídica às empresas.
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Imagem: Designed by Freepik |
Em 2014, havia 12,5 milhões de vínculos
ativos nas áreas tipicamente terceirizadas e 35,6 milhões de
trabalhadores eram contratados diretamente, número que tende a se
inverter, de acordo com os contrários ao texto. Já os representantes da
indústria e do comércio creditam à necessidade de contratação, à
modernização do Estado e à maior produtividade os benefícios da nova
lei.
Relator do projeto, o deputado Laércio Oliveira (SD-SE)
acredita que os trabalhadores ficarão mais protegidos porque as empresas
contratantes serão responsáveis “subsidiárias” pelas obrigações
trabalhistas. “Nenhuma empresa pública nem privada vai terceirizar todas
as suas atividades. Isso não vai ocorrer em hipótese alguma. O mercado
vai se autorregular a tal ponto de não terceirizar tudo”, afirma.
O
parlamentar explica que a terceirização não envolve diretamente as
pessoas, e sim a prestação de serviços que podem ser oferecidos por
empresas especializadas. “De repente, o hospital quer terceirizar o
serviço de enfermagem, porque existem empresas no Brasil que só
trabalham com isso. A empresa prestadora disponibiliza para aquele
cliente a mão de obra especializada na área. Essa diferenciação é
importante para entender o projeto”.
As mudanças permitem a
contratação de trabalhadores para exercer cargos em todas as áreas da
empresa, inclusive na atividade-fim. Além disso, a contratação poderá
ocorrer de forma irrestrita em empresas privadas e na administração
pública. Atualmente, não existe uma legislação específica sobre a
terceirização, mas decisões judiciais têm permitido a terceirização
apenas para as chamadas atividades-meio, ou seja, funções secundárias
que não estão diretamente ligadas ao objetivo principal da empresa, como
serviços de limpeza, vigilância e manutenção.
Concursos públicos
De
acordo com o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, as carreiras de Estado
não correm o risco de ser terceirizadas. Ele avalia, no entanto, que
pode haver menos cargos destinados a concursos públicos. “Carreiras de
apoio já são, hoje em dia, terceirizadas. Então, a possibilidade de
ampliar a terceirização nessas funções é muito efetiva. Com isso, há não
só o risco de precarização, mas a possibilidade de haver clientelismo
político, nepotismo.
Ele cita como exemplo, além dos enfermeiros,
o próprio corpo médico de um hospital. “Eu não tenho a menor dúvida de
que vai diminuir a quantidade de cargos destinados a concursos públicos.
Nas escolas, isso pode acontecer com os professores. Uma companhia
aérea pode terceirizar todo o seu corpo de pilotagem, na medida em que
não há um limite. Mas, acho que tudo isso são matérias que os
magistrados vão interpretar e examinar, para ver o real limite da lei”,
prevê.
No ensino,
a preocupação de especialistas é quanto ao aumento das chamadas
Organizações Sociais, que são contratadas em alguns estados para cuidar
da administração de escolas.
Direitos
Direitos
Para
o subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ricardo
José Macedo de Britto Pereira, a maior rotatividade dos trabalhadores
pode comprometer a concessão de benefícios básicos, como décimo terceiro
salário e férias. “O problema é que toda vez que você coloca um
intermediário na relação de trabalho, haverá a tentativa de explorar
para ter ganho maior. A empresa que faz intermediação [terceirizada]
também quer ganhar. Além disso, não há nenhuma garantia de que o
empregador não dispense o seu empregado direto e o contrate em seguida
em uma empresa prestadora de serviços. A lei não previu isso. Agora tem
esse risco, o que é muito ruim”, observa Pereira.
Segundo ele,
outro ponto negativo é a permissão de empresas com capital social muito
baixo. De acordo com a nova lei, empresas com até dez empregados deverão
ter capital mínimo de R$ 10 mil. “São pequenas empresas que não terão o
cuidado necessário com o ambiente do trabalho, e isso só vai confirmar
dados de que a terceirização causa o adoecimento no trabalho, alto grau
de acidentes, violação de vários direitos”, enumera.
Para o
representante do MPT, órgão que anteriormente havia divulgado uma nota
técnica solicitando o veto, a lei “não traz direitos”, apenas uma
“liberação geral no campo das relações de trabalho”. Ele acredita que as
“diversas interpretações” da legislação darão espaço a questionamentos
no Poder Judiciário, tanto na Justiça do Trabalho quanto no Supremo
Tribunal Federal (STF). Além do caso analisado esta semana no STF, que
tirou a responsabilidade da administração pública em passivos trabalhistas, outros recursos relativos à terceirização tramitam na corte.
Divulgado
em março, estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que os trabalhadores
terceirizados recebem salários entre 23% e 27% mais baixos, têm uma
jornada maior e ficam durante menos tempo na empresa.
Com base em
dados do Ministério do Trabalho e na Classificação Nacional de
Atividades Econômicas, o estudo comparou informações registradas entre
2007 e 2014. Mostrou também que a rotatividade dos terceirizados e o
afastamento por acidente de trabalho são maiores que entre os
contratados diretamente.
Segurança jurídica
“Acredito
que está havendo um pavor desnecessário nessa questão, porque não é
possível você ter uma modalidade de contrato terceirizado hoje, que vem a
ser os serviços especializados, no sentido de trazer alguma
insegurança. Pelo contrário, é para dar segurança de proteção ao
trabalhador que presta serviços para essas empresas terceirizadas”,
contrapõe o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. Ele também avalia
que a nova legislação não vai acabar com os concursos públicos, pois
atualmente já existem categorias que atuam em determinados órgãos, como o
próprio Judiciário.
Para Vander Morales, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos (Fenaserhtt), que reúne 32 mil empresas e cerca de 2,5 milhões de trabalhadores na área, em todo o Brasil, muitas empresas exercerão no Brasil algum tipo de terceirização especializada.
Para Vander Morales, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos (Fenaserhtt), que reúne 32 mil empresas e cerca de 2,5 milhões de trabalhadores na área, em todo o Brasil, muitas empresas exercerão no Brasil algum tipo de terceirização especializada.
"Isso vai ser bom para
o mercado, para o próprio trabalhador. Pode resultar em maiores
salários. A rotatividade vai até diminuir, porque hoje há uma
insegurança. Alguns contratos são interrompidos por falta de clareza na
lei. Haverá um compromisso maior do trabalhador com a empresa e elas
passarão por uma qualificação maior. Essa é a mudança imediata”, diz
Morales.
“Geralmente, as empresas terceirizadas não cumprem todos
os seus deveres. Terminam o contrato e deixam de pagar verbas
rescisórias e trabalhistas”, afirma o presidente da Anamatra. Na opinião
de Germano Siqueira, a insegurança jurídica deve permanecer porque a
lei tem brechas.
Ele não concorda com a ideia de que o país está atrasado ao aprovar somente agora mudanças que podem ser um ponto de partida para revolucionar o mundo do trabalho. “Na verdade, atrasados estão aqueles que querem fazer uma terceirização que corta direitos", avalia Siqueira.
Ele não concorda com a ideia de que o país está atrasado ao aprovar somente agora mudanças que podem ser um ponto de partida para revolucionar o mundo do trabalho. “Na verdade, atrasados estão aqueles que querem fazer uma terceirização que corta direitos", avalia Siqueira.
De acordo com o presidente da Fenaserhtt, o
número de empresas terceirizadas pode aumentar, já que surgirão novas
tendências. “Muitas profissões de hoje vão desaparecer. O Brasil tem que
mirar no futuro do trabalho. Como é que isso está acontecendo no mundo,
com tantas pessoas precisando trabalhar? Precisamos desenvolver formas.
Não precisamos ficar amarrados a um único modelo”, analisa.
Sancionada com três vetos pelo presidente Michel Temer, a nova lei, que trata também do trabalho temporário, foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União de ontem (31).
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra, sinalizou que o STF deve ser chamado a se pronunciar sobre a polêmica.
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra, sinalizou que o STF deve ser chamado a se pronunciar sobre a polêmica.
Fonte: Agência Brasil
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